A Vulgata de Jerônimo
Produzida em grande parte na Terra Santa, essa antiga tradução da Bíblia vem sendo usada através dos séculos como fonte de consulta pelos tradutores.
No século III da era cristã, começaram a surgir diversas traduções da Bíblia em latim, as quais eram usadas no Norte da África e na Europa, e que aos poucos o latim foi tomando o lugar do grego como língua do povo. Em 382 o papa Dâmaso chamou um padre, Eusébio Sofrônio Jerônimo, para fazer uma revisão dos evangelhos da Vetus Latina (tradução feita a partir do texto grego da Septuaginta, que, por sua vez, é a mais antiga e importante tradução da Bíblia Hebraica), produzindo assim um texto uniforme para ser usado nas igrejas.
Foi assim que começou a nascer a tradução da Bíblia conhecida como Vulgata Latina. “Vulgata” quer dizer “comum” ou “usual”, e Jerônimo empregou esse termo para se referir à Septuaginta e à Vetus Latina, as traduções da Bíblia mais aceitas em sua época. Muito tempo depois, a partir do século XIII, a própria tradução de Jerônimo passou a ser chamada de “Vulgata”, devido à grande aceitação que alcançou.
Terra Santa
No ano de 385 Jerônimo decidiu deixar Roma, onde morava, para viver como monge na Terra Santa. Em Belém, o tradutor instalou-se numa gruta próxima, segundo ele pensava, da caverna onde Jesus nasceu. Ali, a partir de 389, resolveu também abandonar a revisão da Vetus Latina. Começou, então, a traduzir o Antigo Testamento para o latim diretamente do texto hebraico, que havia sido preservado em manuscritos pelos judeus da Palestina.
O Saltério Hebraico foi um dos primeiros livros que Jerônimo traduziu tendo como base o texto hebraico. Mas essa tradução não foi aceita pelos cristãos da época, que se apegaram ao Saltério Galicano, revisão da Vetus Latina que já havia sido feita pelo próprio Jerônimo, ao qual estavam acostumados.
Por ter sido aprendiz de rabinos na Palestina, Jerônimo às vezes foi influenciado desfavoravelmente pelo rabinismo. Mas pode-se afirmar que, de modo geral, a sua tradução é a melhor que se fez antes dos tempos modernos. Através dos séculos, a Vulgata tem tido um papel importante no trabalho dos tradutores da Bíblia.
Rejeição
A nova tradução de Jerônimo não demorou a provocar reação contrária por parte dos leitores. Sobretudo no Antigo Testamento o desagrado foi maior. O texto de Jerônimo era comparado ao da Vetus Latina, que estava em circulação há cerca de duzentos anos. Verificando que o sentido de várias passagens havia sido completamente mudado, os leitores concluíam que o texto sagrado das Escrituras havia sido violentado. Apesar de se tratar de uma tradução baseada no texto hebraico, continuavam apegados à Vetus Latina – que na verdade era a tradução de uma tradução. Jerônimo reclamava com amargura dos seus opositores, pois eles o acusavam de haver pervertido as Escrituras de propósito. E mais: não se dispunham a examinar os princípios e as bases da sua tradução. O próprio Agostinho, que elogiava e usava a revisão dos evangelhos feita por Jerônimo, achava que sua tradução do Antigo Testamento não deveria circular livremente. Acreditava que, traduzindo diretamente do hebraico, Jerônimo, estava introduzindo uma inovação que ia contra o costume da igreja.
Com o correr do tempo, a tradução de Jerônimo foi ganhando terreno e, quase 400 anos depois do seu lançamento, no século IX da era cristã, foi aceita pelas igrejas de modo geral. A Vulgata foi adotada oficialmente pela Igreja Católica no Concílio de Trento (1546). A partir desta data, seu texto foi considerado autêntico e passou a ser usado para leitura pública e como base para polêmicas, sermões e explicações.
Consultoria de Werner Kaschel, pastor batista e membro da Comissão de Tradução da Sociedade Bíblica do Brasil. 1991.
Lutero e a tradução da Bíblia
Lutero traduziu as Sagradas Escrituras para a língua do povo “por amor de meu Senhor Jesus Cristo”, como declarou. O Reformador queria que o povo pudesse ler e examinar a Bíblia em sua própria língua.
Convicto de que iria fazer “uma obra conforme a vontade de seu Deus e Salvador”, Lutero iniciou o seu trabalho. Retornando da Dieta de Worms, em 1521, Frederico, o Sábio, mandou que Lutero fosse “sequestrado” e posto em segurança no Castelo de Wartburgo, e ali Lutero realizou a grande proeza, traduzindo o Novo Testamento num tempo humanamente impossível de dezembro de 1521 à março de1522.
O Antigo Testamento foi traduzido ao longo dos anos. Enquanto o Novo Testamento foi traduzido apenas por Lutero, o Antigo Testamento foi traduzido como apoio de Melanchthon, Bugenhagen, Justus Jonas, Cruciger, Aurogellus e Roerer. Dada a sua extensão, os livros do Antigo Testamento foram publicados em quatro volumes, assim que iam sendo traduzidos.
Mas foi em 1534 que a tradução completa da Bíblia foi impressa. É considerada a impressão mais fina do Século XVI, realizada pelo editor Hane Luft, de Witten-berg.
Não foi obra pequena nem fácil traduzir a Bíblia para a linguagem do povo. Em sua “Carta Aberta sobre a Tradução”. Lutero elaborou e defendeu sete princípios básicos para se fazer uma boa tradução: 1) O tradutor deve atender a natureza da língua receptora, isto é, da língua para o qual traduz; 2) Deve-se verificar como o homem comum usa a língua; 3) O tradutor deve ter o cuidado de evitar traduções literais infelizes; 4) Há casos em que a tradução literal de uma palavra pode ser a solução acertada; 5) O tradutor deve ser dono de uma grande reserva de palavras, a fim de que possa escolher a que fica melhor no contexto; 6) O tradutor deve determinar o sentido de um texto (para poder traduzir bem), no contexto original, e 7) É justo e necessário expressar o sentido do original de maneira mais clara e plena. “Lar Cristão”, 1984.
Do mesmo modo como Lutero traduziu a Bíblia para linguagem popular, a Sociedade Bíblica do Brasil empreendeu a tarefa, não pequena mas desafiadora, para traduzir a Bíblia na Linguagem de Hoje, de modo a que o povo de língua portuguesa falada no Brasil pudesse ter em mãos um texto simples que tornasse fácil sua leitura nos limites de sua cultura linguística.
A Bíblia de Gutenberg
Um exemplar das Escrituras Sagradas foi o primeiro livro impresso
Por volta de 1455, aos 37 anos deidade, o alemão Johann Gutenberg iniciou um projeto audacioso em sua oficina. Ele havia construído uma impressora muito simples, com tipos móveis de chumbo, e empenhava-se na impressão de uma grande Bíblia em latim. Seu esforço resultou em dois marcos históricos, que o fizeram conhecido no mundo todo: a invenção da imprensa e a impressão da primeira Bíblia completa.
Conhecida como a Bíblia de Gutenberg ou Bíblia de Mazarin, nome do cardeal em cuja biblioteca foi descoberto um de seus volumes, em 1870, a obra possuía 1282 páginas e consumiu um ano para ser concluída. Foi impressa com letras góticas, que surgiram na Europa entre os séculos XII e XIII, e eram as mais usadas no tempo de Gutenberg. O texto dessa Bíblia histórica era o da Vulgata Latina, tradução para o latim feita por Jerônimo, a partir do hebraico e do grego.
Das Joias aos Livros
Ourives de profissão, Gutenberg lidava muito bem com metais, habilidade que certamente lhe foi útil e talvez tenha inspirado sua invenção. Relatos de testemunhas da época indicam que ele havia começado a trabalhar na invenção da impressora muitos anos antes, entre 1430 e 1444, quando vivia em Estrasburgo, na França. Em sua oficina Francesa foram vistos uma prensa, tipos, um estoque de chumbo e outros metais, além de um misterioso instrumento, composto de 4 peças, provavelmente um molde de fundição de tipos. Ainda na França, Gutenberg chegou a se associar a Andreas Dritzhen, para colocar sua invenção em prática, imprimindo livros. Mas a morte do sócio acabou inviabilizando esses planos. Quando voltou a viver em sua terra natal, uma cidade do Vale do Reno, Gutenberg conheceu Johann Fust, um rico joalheiro. Com ele conseguiu os recursos necessários para montar uma pequena oficina, onde iria finalmente realizar o projeto de sua vida. A invenção de Gutenberg espalhou-se rapidamente por toda a Europa, onde até então a Bíblia e demais livros eram pacientemente copiados à mão. Entre os anos de 1456 e 1500, mais de 8milhões de livros foram impressos no continente, quase a metade deles de conteúdo religioso.
Madeira e Louça
Pouco conhecida até aquela data no Ocidente, a técnica de impressão com tipos móveis já era empregada por chineses e coreanos há mais de meio século. O Tripitaka, livro sagrado budista, foi impresso com blocos de madeira, 130 mil deles foram necessários para a obra toda. A louça também era utilizada na China para a produção de tipos para imprimir. E, no ano 1241, surgiram na Coréia as primeiras peças de metal para o mesmo fim.
Acredita-se que, por volta de 1300, comerciantes europeus, Marco Polo seria um deles, teriam trazido do Oriente os primeiros blocos entalhados para impressão, ao lado da seda e especiarias. O uso mais comum desses blocos era a reprodução de figuras que representavam personagens da Bíblia.
CÂNON BÍBLICO
A respeito do chamado cânon grego (Septuaginta), como uma segunda parte, podemos considerar o seguinte:
1. É a este “cânon”, com aspas, porque não é essencialmente CÂNON no sentido bíblico, que se dá o nome de Versão dos Setenta ou Septuaginta. A história de sua formação é longa, complexa e até entremeada de possíveis lendas. Foi na colônia judia, no Egito, que, emigrados em massa, depois da queda de Jerusalém nas mãos dos babilônicos (587a.C.), os judeus começaram a formar o seu centro cultura. Elefantina e Alexandria eram as cidades mais importantes. A língua deles, depois de algumas gerações, era o grego, ficando o hebraico como língua litúrgica e literária. É interessante notar que esta versão levou uns100 anos para se completar, e só se formou totalmente por volta de 150a.C. A maneira de traduzir e a diversidade de métodos e estilos demonstram a existência de muitos tipos de tradutores e grupos bem diferentes. Não devemos esquecer o que o Dr. Baéz Camargo diz: “Isto permite pensar que os judeus de Alexandria teriam uma concepção mais ampliada que a da Palestina enquanto a os que consideravam como livros sagrados”. Quais são esses livros? Pelos fragmentos achados no Egito, trazidos pelas mãos dos copistas cristãos, há escritos não incluídos no cânon hebreu. Isto diz respeito também aos manuscritos mais antigos: o Sinaítico e o Vaticano, ambos do 4° Século. E também o Alexandrino, do 5° Século A.D. A forma chamada da CÓDICE, de folhas encadernadas para formar um só volume, não existia ainda. A versão grega original devia ser em rolos soltos que circulavam soltos ou separados. A Septuaginta tinha todo o CÂNON HEBREU e mais alguns livros, embora haja algumas opiniões divergentes, como a de G.W. Anderson, da Universidade de Edimburgo. O que é certo é que a TORAH (o Pentateuco ou a Lei) era considerada de suprema autoridade divina. Depois vêm os Profetas, e em seguida os Escritos.
Destes, o mais apreciado era o livro de Salmos.
2. Nesta segunda parte, como item dois, temos o problema dos apócrifos. Aqui reproduzimos as palavras do Dr. Baéz Camargo: “Os livros que não aparecem no canon hebraico e que aparecem na LXX, de acordo copias cristãs que chegaram até nós, eles originalmente receberam e preservaram até nossos dias a designação de apócrifos. O termo foi aplicado pela primeira vez por Cirilo de Jerusalém (século 4 d.C.), e São Jerônimo (século 5 d.C.). Eles usaram, porém, não no sentido que a palavra tem hoje em linguagem comum, ou seja, o de falso ou "espúrio", mas em seu sentido próprio original de "escondido" ou "secreto" (do verbo grego apócrifo, "disfarce"). É, portanto, sinônimo, ou melhor, equivalente ao hebraico guenuzi, e tem a mesma aplicação que já explicamos acima”. Por causa da modificação do sentido de apócrifo, do século 16 em diante, começaram a usar o termo deuterocanônico. Deuterocanônico significa: o que pertence a outro “cânon”, a um “cânon” secundário, isto é, ao “cânon” grego (a Septuaginta). Os católicos romanos preferem usar o termo deuterocanônicos; os protestantes, em geral, usam o termo apócrifos. No entanto, muitos teólogos exegetas e tradutores optam por deuterocanônicos mesmo.
3. Outro acontecimento importante na história do CÂNON foi o aparecimento, nos fins do 4° século, da Vulgata, preparada por Jerônimo (347-(?)420). No início, Jerônimo quis excluir os deuterocanônicos, mas Agostinho, entre outros, pressionou para que ele não fizesse isso. Esta versão, a Vulgata, que só no século 13 recebeu este nome, por um franciscano inglês, Rogério Bacon, foi o primeiro livro impresso por Gutenberg, em Magúncia. Dessa versão foram feitas duas edições célebres: a Sixtina, por causa da ordem do papa Sixto V, em 1590, e outra, a Clementina, por ordem de Clemente VIII, em1592.
A Septuaginta ou Setenta
Histórias fantasiosas cercam a origem da primeira e mais importante tradução da Bíblia Hebraica
A Septuaginta, também conhecida como Setenta ou LXX, é a mais antiga e a mais importante das primeiras traduções da Bíblia Hebraica. Foi traduzida do hebraico (e do aramaico, em algumas passagens) padrão grego. Isso aconteceu no período pré-cristão. Sua origem, cercada de detalhes lendários, ainda hoje é discutida por historiadores que se dedicam a estudar o assunto. Em uma carta, escrita por um estudioso judeu chamado Aristéias, que viveu no século II a.C., estariam explicados o nome e a origem da tradução. Nessa carta, Aristéias teria sido informado por seu irmão Filócrates de que Ptolomeu II Filadelfo (que reinou no Egito durante o período de 285 a 246 a.C.) desejava ter uma tradução dos livros sagrados judaicos na grande biblioteca que fundou na famosa cidade de Alexandria. A seu pedido, segundo a carta, 72 sábios, 6 de cada uma das 12 tribos foram enviados de Jerusalém para fazerem a tradução.
Em 72 dias, 72 traduções.
Mais tarde, pinceladas fantasiosas foram acrescentadas a essa história. Dizia-se que os 72 sábios foram levados à ilha de Faros, em Alexandria, e colocados em cômodos separados. Cada um terminou a tradução inteira em 72 dias. E mais: para surpresa de todos, as 72 traduções eram absolutamente idênticas. Desses números teria se originado o nome “Septuaginta”. Hoje, os estudiosos têm certeza apenas do lugar e da data aproximada da tradução. Ela realmente foi feita em Alexandria, para a grande comunidade judaica que existia ali. A prova disso é a língua, que é o tipo de grego que, na época se falava naquela cidade. Quanto à data Septuaginta dificilmente pode ser anterior ao ano 285 d.C., isto é, ao ano que marcou o início do reinado de Ptolomeu II Filadelfo.
Uma coleção de traduções
Nem todos os estudiosos do assunto aceitaram a LXX (Septuaginta) como uma única obra. Alguns acreditam que ela é formada por uma coleção de várias traduções de muitos livros. Essas traduções teriam sido feitas por diferentes tradutores, sem que houvesse nenhuma ligação entre eles.
De acordo com esses estudiosos, além das traduções que formam a Septuaginta, haveria ainda outras, independentes, que não foram conservadas ou não chegaram aos nossos dias.
A verdade é que a LXX (Septuaginta) não é obra de um único tradutor. Ás vezes, os biblistas percebem que até um único livro foi traduzido por diferentes tradutores.
Certos fatos indicam, por outro lado, que a LXX (Septuaginta) não é somente uma tradução - ela foi também a primeira interpretação do Antigo Testamento. Muitos antropomorfismos (atribuição de forma humana para Deus) do Antigo Testamento foram eliminados: “mão” de Deus tornou “poder” de Deus; o nome divino “Javé” (pronunciado erradamente “Jeová”) foi substituído por “Senhor”.
Até o século I depois de Cristo, a LXX (Septuaginta) foi considerada, pelos judeus que viviam fora da Palestina, como uma tradução de grande autoridade. Isso se deve ao fato de que na maior parte do mundo conhecido dos primeiros séculos da era cristã o grego era a língua falada. Os cristãos não só adotaram a tradução como a sua Bíblia, com mais entusiasmo até que os próprios judeus, como também a usaram para evangelizar as populações que falavam grego. Outro fato comprova a aceitação da Septuaginta entre os cristãos: 300 das 350 citações do Antigo Testamento e no Novo Testamento foram tiradas dessa tradução e não do texto hebraico.
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