Congregar é um mandamento? Nossa salvação depende das nossas reuniões? Aquele que, por um motivo ou outro, não pode ou não deseja congregar será condenado? Afinal de contas, devemos ou não devemos congregar? Essas e outras questões eu quero esclarecer sob a luz das Escrituras.
Não há dúvida nenhuma de que os apóstolos e a igreja primitiva se reuniam. Isso é mostrado no Novo Testamento. A verdade é que eles não se reuniam em templos; eles se reuniam em casas ou em locais públicos. A Igreja não tinha encontros semanais agendados em um local fixo onde a cidade toda se reunia; os encontros aconteciam quando davam certo, onde dava certo e conforme a disponibilidade e consenso de todos; era de modo simples e sem marketing.
Na época da igreja primitiva não havia campanhas religiosas para conseguir algo de Deus; havia orações diretas à Deus uns pelos outros. Não havia exploração da fé; havia a doação compassiva de uns pelos outros. Não havia um homem que pregava em um púlpito e que se escondia no “camarim” após terminar o sermão; o que existia era um encontro voltado para a oração, doação, admoestação e principalmente para o ensino.
Não existiam templos enormes e luxuosos; existiam locais de encontro, podendo ser até mesmo em praças públicas ou até mesmo na beira de um rio, como aconteceu no dia da conversão de Lídia na cidade de Filipos (Ver Atos 16:13). Como podemos ver, o modo de congregar da igreja do primeiro século era bem diferente daquilo que presenciamos hoje.
De lá para cá a Igreja foi se distanciando não somente do Evangelho, mas também da maneira em que a igreja primitiva congregava. Essa mudança ocorreu por volta do no ano 300 d.C., quando Constantino, Imperador de Roma, resolveu unificar o Estado e a política à fé cristã, e dessa junção, nasceu o Cristianismo.
Constantino conseguiu transformar a simples fé das comunidades cristãs em uma religião oficial baseada em pacotes doutrinários, os quais eram impostos à população. Constantino formalizou a fé cristã e a misturou com o paganismo que havia no primeiro século, reformou alguns templos de deuses pagãos e os deu em homenagem a Cristo; outros ele mesmo construiu.
A decadência da igreja foi progressiva e nos corações de muitos foram acrescentado esse fermento religioso. Martinho Lutero, indignado com todo esse retrocesso na fé cristã, tentou fazer a Reforma; que de certa forma foi benéfica, mas durou pouco tempo. Logo foram surgindo outros movimentos religiosos que acrescentaram novos encorpamentos à fé cristã original.
Com o passar do tempo esses movimentos religiosos foram aprisionando a mente das pessoas com o seu legalismo escravizante, seu ambiente misterioso, adoecedor e sem nenhuma revelação do Evangelho, com seu sistema prejudicial à saúde mental e com suas muitas revelações criadas pelas fantasias do coração daqueles que foram treinados e adoecidos nesse ambiente misterioso.
Esses movimentos surgiram, principalmente, devido à distorção do Evangelho e exploração da fé. Eles podem até falar algumas poucas verdades segundo a Escritura; porém, devido as suas amargas frustrações, falta de compaixão e fortalecimento da consciência na Graça, Paz e Amor de Deus, esses movimentos se demonstraram extremistas; e, posteriormente, oportunistas e fraudadores do verdadeiro Evangelho da Graça.
Deus não deseja "movimentos e contra-movimentos" religiosos, principalmente se a força que os move for a amargura, o oportunismo ou a exaltação da própria imagem; Deus deseja verdadeiros evangelistas, cujas as principais motivações em propagar o Evangelho seja a crença no sacrifício de Cristo, a gratidão pela Graça recebida e a compaixão para com o próximo.
Esses movimentos também foram os responsáveis por espalhar que não devemos congregar de maneira alguma, a fim de contradizer uma heresia do cristianismo deturpado de Constantino que diz que somos obrigados a congregar e aquele que não congrega já está condenado. Uma heresia contrapondo a outra!
Esses dois exageros são radicais e adoecedores! O procedimento da Igreja primitiva e o seu ensino nos guia à um caminho equilibrado e prudente entre esses dois conceitos radicais, onde um diz que devemos congregar e o outro diz que não devemos congregar, já que está difícil achar um bom lugar para se reunir com os irmãos e ouvir a Palavra de Deus.
A questão não é se devemos congregar ou não; a questão é: estamos nos reunindo para melhor ou para pior? As reuniões estão nos fazendo bem ou mal? O lugar onde estamos congregando é saudável? É anunciado o verdadeiro Evangelho ou é pregado um evangelho distorcido para nos condicionar e explorar a nossa fé?
O apóstolo Paulo afirma em 1Coríntios 11:17 que os coríntios estavam se reunindo para pior e não para melhor. Lembre-se que o verdadeiro lugar de adoração é o seu coração, a verdadeira congregação é o corpo de Cristo e o verdadeiro templo somos nós (1Coríntios 6:19-20; 3:16-17; Hebreus 3:5-6; 2Cor. 6:16; Gálatas 2:20; João 14:23).
Então, se os lugares que estão disponíveis para congregarmos não nos fazem bem, então melhor é não congregar do que destruir o verdadeiro templo de Deus, que é o nosso ser. Por outro lado, quando existe um lugar saudável ao nosso alcance, então, bom é congregarmos.
Caso esse lugar não esteja ao nosso alcance, não precisamos nos preocupar. Saiba que congregar saudavelmente é fundamental, porém o essencial mesmo é ser congregado no corpo de Cristo, e isso vem pela fé no Evangelho da Graça, pois, é pela Graça que somos salvos (Efésios 2:8).
Algum defensor de que somos obrigados a congregar a todo custo usará a passagem de Hebreus 10:25 para dizer que congregar é uma ordenança. Veja o texto: “Não deixemos de congregar-nos”. A má interpretando desse texto dá a ideia de que somos obrigados a congregar a todo custo. Veja o versículo:
“E não deixemos de nos reunir, como fazem alguns, mas encorajemo-nos mutuamente, sobretudo agora que o dia está próximo.” (Hebreus 10:25)
Primeiro, precisamos entender o contexto desse texto. O autor da carta estava falando com hebreus (judeus que acreditavam em Jesus Cristo) que, por algum motivo, estavam começando a desacreditar na Graça, e colocando novamente em seus corações a Lei de Moisés. Mesmo conhecendo a verdade da Graça de Deus, eles estavam rejeitando o sacrifício de Cristo.
Eles se aconselhavam, ensinavam acerca de Jesus e incentivavam uns aos outros acerca do amor e das boas obras. Esse é o congregar saudável e é desse congregar que o autor do texto estava falando. Se a reunião não for assim, melhor é ser sensato e sair desse meio para resguardar a mente e a alma.
Note que para o autor do texto “congregar” era sinônimo "reunir-se" na graça e no amor de Deus e não de condicionamento mental, exploração da fé, distorção do Evangelho, pressão psicológica e opressão legalista ou motivacionalismo.
Além disso, muitos irmãos da igreja primitiva não sabiam ler e não tinham a revelação do Evangelho da Graça escrita como nós temos nos dias e hoje; eles possuíam cartas de irmãos que eram lidas em público nessas reuniões. Então, o único meio de aprender o Evangelho de Cristo era quando se reuniam para ouvir a leitura dessas cartas.
Hoje, a maioria das pessoas sabem ler, temos os escritos da igreja primitiva em nossas mãos, o que viabiliza o ensino do Evangelho. Diferentemente da igreja primitiva, em que o único meio que eles tinham de receber, aprender e compartilhar o Evangelho era se reunindo.
Congregar não é uma ordenança divina; no entanto, reunir-se saudavelmente com verdadeiros irmãos é um privilégio que nem todos tiveram; e, nos dias de hoje, está cada vez mais difícil. Caso você não tenha um lugar para se reunir saudavelmente, não fique triste; você pode congregar em sua casa, com a sua família ou com amigos que comunguem com o mesmo ideal.
Você não perderá a sua salvação por causa disso! Saiba que o essencial mesmo é, sermos congregados no corpo de Cristo. O Criador é onipotente, onisciente e onipresente e não é preso a uma reunião ou a um templo, "Deus não habita em templos feitos por mãos humanas" (1Reis 8:27; Isaías 66:1-2; Atos 7:48). O Seu Espírito sopra na consciência dos seus servos espalhados nos quatro cantos da terra. Ele fala através de pessoas, através da Sua Palavra, usando as mais variadas formas de linguagens; Deus é Espírito!
Conclusão
Existe uma verdadeira terapia medicinal gerada pelo encontro humano em amor fraternal. Fomos criados também para nos relacionar e nos ajudar em amor. Então todos nós temos essa carência natural. Mas, uma coisa é ter essa carência natural e a outra é ser uma pessoa carente.
A pessoa carente é alvo fácil para oportunistas; ela já vem do mundo confusa e sem direção; e, buscando ajuda, cai na mão de lobos do Cristianismo deturpado aumentando ainda mais a carência dessa pessoa, devido as falsas doutrinas como a de que Deus habita em um endereço fixo, e que a pessoa precisa frequentar regularmente esse endereço para não se desviar da fé e perder a salvação. E ainda precisa participar das campanhas temáticas e dar o dízimo mensal para não ficar em falta com Deus.
A carência dessa pessoa ficará pior que antes, só que mascarada e anestesiada com ativismo religioso e libertação dogmática, mas o buraco em seu coração permanece e maior ainda. Esse é o quadro da maioria das pessoas: congregam porque são carentes emocionais, condicionadas nas doutrinas amedrontadoras de fidelidade ao suposto endereço de Deus na terra.
Quanto mais amadurecemos na verdadeira graça e no conhecimento de Deus, menos carentes ficamos e mais sólidos e humanos nos tornamos. Então, quanto mais maduro na graça e nesse conhecimento, o nosso congregar não consistirá em buscar “oxigênio” em oráculos, mas sim em sermos cada vez mais curados através do encontro humano em amor e em fé.
Lembre-se que a nossa salvação é unicamente pela fé no sacrifício Daquele que nos congrega em seu corpo.
Graça e paz!
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