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Decreto dominical

Atualizado: 27 de ago. de 2023


Estátua de bronze de Constantino, o Grande, em frente à catedral de York (Inglaterra).


O que levou o imperador romano Constantino a estabelecer oficialmente o domingo como dia de repouso há 1.700 anos


Uma das perguntas da área de História que apareceram na prova da segunda fase do vestibular da Fuvest do ano de 2021 teve que ver com a transformação do cristianismo de religião perseguida em religião do Estado. O que levou o Império Romano a adotar o cristianismo como religião oficial.


Uma das possíveis respostas para essa pergunta está na busca do Império Romano por um ponto de apoio que contribuísse para a sua estabilização. E o cristianismo, que estava em grande expansão, apesar das perseguições, possuía características para potencializar essas aspirações. O cristianismo se tornou uma ferramenta para a unidade e uma validação da autoridade imperial.[1] Nesse sentido, em 313 d.C., o imperador Constantino concedeu liberdade religiosa em todo o Império Romano, por meio do Edito de Milão.[2]


Por outro lado, em março de 321 ele promulgou um decreto estabelecendo o domingo como dia de repouso. Esse edito exigia que a população das cidades dominadas por ele suspendesse as atividades “no venerável dia do Sol” (venerabili die Solis), embora fosse mais flexível em relação aos camponeses.


O documento estabelecia o seguinte: “Que os magistrados e as pessoas que residem nas cidades, bem como os comerciantes, repousem no venerável dia do Sol. Aos moradores do campo, porém, conceda-se atender livre e desembaraçadamente aos cuidados de sua lavoura, visto suceder frequentemente não haver dia mais adequado à semeadura e ao plantio das vinhas, pelo que não convém deixar passar a ocasião oportuna e privar-se a gente das provisões oferecidas pelo Céu” (Codex Justinianus).[3]


Na realidade, tratava-se de um estatuto pagão, mas que foi nominalmente aceito pelo cristianismo.[4] O Edito de Constantino foi o primeiro registro de lei, de natureza eclesiástica ou civil, em que a observância do sábado (no sentido de cessar o trabalho) a passou para o domingo.[5]


Esse decreto foi uma lei dominical matricial. Ou seja, dele surgiu uma série de editos sobre a observância do domingo que influenciaram profundamente os europeus e a sociedade americana. Se no período de domínio do Império Romano a observância do domingo foi reforçada por estatutos civis, mais tarde, a igreja, sob a autoridade papal, impôs esse decreto por meio de editos eclesiásticos e civis.[6]


O decreto de Constantino era parte da pauta do trabalho imperial que tinha como base a mistura entre o paganismo e o cristianismo. Nesse sentido, o “dia do Sol”, que corresponde ao domingo do calendário atual, deveria ser um dia de descanso geral para cristãos e pagãos.[7] Dentro dessa perspectiva, a etimologia da palavra inglesa sunday, que corresponde ao termo domingo em alguns idiomas latinos, tem exatamente o sentido de “dia do Sol”, reforçando a influência que essa pauta mantém dezessete séculos depois sobre a sociedade ocidental.


Em uma via de mão dupla, para dar uma sanção teológica à legislação imperial que exigia a cessação de trabalho no domingo, as hierarquias eclesiásticas apelaram frequentemente ao preceito criacionista do quarto mandamento, mas adaptando-o à observância do domingo.[8]


Referências:

[1] - (Editora Globo, 2017, p. 67)

[2] - (Gilberto Cotrim, História Global [Saraiva, 2005], p. 93).

[6] - (Walter W. Hyde, Paganism to Christianity in the Roman Empire [Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1946], p. 261).

[8] - (Samuele Bacchiocchi, Divine Rest for Human Restlessness [The Pontifical Gregorian University Press, 1980], p. 35)


Flávio Pereira da Silva Filho

Mestre em Teologia

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