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"Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor." (Salmos 122:1-9)
Certamente, muitos fiéis já ouviram seus líderes religiosos utilizarem este Salmo durante os cultos como uma forma de incentivar a participação nos encontros. No entanto, esse texto frequentemente é interpretado de maneira equivocada. Neste artigo, explorarei o tema com profundidade e esclarecerei alguns pontos importantes sobre o verdadeiro significado desse Salmo.
O Salmo 122 é um dos quinze salmos conhecidos como Cânticos de Peregrinação (ou Cânticos dos Degraus em algumas traduções), que vão do Salmo 120 ao 134. Esses salmos eram cantados pelos israelitas enquanto subiam para Jerusalém, durante as grandes festas religiosas. O título Cântico dos Degraus faz referência às várias subidas ou degraus que os peregrinos enfrentavam ao se aproximarem da cidade santa. Não é surpresa, portanto, que palavras como “Jerusalém”, “Sião” e “casa do Senhor” apareçam com frequência nesses salmos, refletindo a centralidade da cidade.
Este Salmo contém vários detalhes geográficos significativos, pois é uma música de celebração dedicada à cidade de Jerusalém. O cenário descrito parece ser a chegada dos peregrinos, como indicado no versículo 2: "Nossos pés estão nas tuas portas, ó Jerusalém". Os viajantes acabaram de chegar e estão maravilhados com os primeiros vislumbres da cidade santa.
O salmista se admira com a cidade, destacando suas muralhas, palácios e a estrutura compacta que a torna única. Um ponto especial é dado aos "tronos de justiça" em Jerusalém, mencionados como o local onde as decisões sábias e justas são emitidas para o povo de Deus. Por tudo isso, o salmo termina com uma oração pela paz. Jerusalém era vista como um refúgio para o povo de Deus, em meio a um mundo hostil. Assim, o salmista implora a Deus para que mantenha Jerusalém em paz, para que seus habitantes possam experimentar não apenas segurança exterior, mas também paz interior, vivendo em um verdadeiro porto seguro.
No entanto, este salmo certamente deve estar entre os "cânticos de Sião" mencionados no Salmo 137, aqueles que os babilônios zombavam ao pedir que os israelitas cantassem durante o exílio. Mas como poderiam os israelitas cantar tais canções em uma terra estrangeira? Como poderiam entoar um salmo que celebrava as fortificações de Jerusalém quando, na realidade, nenhuma delas foi suficiente para afastar os babilônios? Como poderiam cantar uma canção que exultava sobre os muros de Jerusalém, quando esses mesmos muros estavam em ruínas, transformados em um montão de escombros, servindo de abrigo para os chacais (ver Isaías 34:13)?
Como poderiam os israelitas celebrar Jerusalém quando a cidade já não existia mais? E podemos fazer a mesma pergunta a nós mesmos: como podemos cantar este cântico de Sião, se não estamos ligados a essa cidade? Muitos de nós nunca estivemos na Jerusalém atual, e muito menos naquela Jerusalém gloriosa celebrada pelo Salmo 122.
A cidade mencionada nesse salmo há muito deixou de existir. Mesmo a Jerusalém que Jesus conhecia não era mais a mesma: era uma cidade reconstruída, com um novo templo erguido por Herodes, que substituía o Templo de Salomão, destruído em 586 a.C. Hoje, até essa Jerusalém, que foi testemunha de grandes momentos da história bíblica, já não é mais a mesma; foi substituída pela moderna cidade de Jerusalém, que, embora tenha grande significado histórico e religioso, não é a Jerusalém idealizada neste salmo.
Aplicabilidade
Então, o que fazemos com este salmo? Além de ser uma curiosidade histórica, que nos recorda como os israelitas de outrora viam a sua capital, o que nós, cristãos, podemos entender ou aprender com o Salmo 122? A resposta poderia ser: “Quase nada”. Poderíamos dizer que ele é apenas um desses textos bíblicos que abordam o passado, sem uma aplicação direta para o presente e que a Jerusalém dos dias de hoje é apenas um daqueles lugares bíblicos históricos. Podemos apreciar a beleza poética deste salmo da mesma forma que admiramos uma obra clássica de Homero. Mas, além de seu valor literário e histórico, não há muito a ser aplicado aos nossos dias.
Então, por que Jerusalém foi celebrada daquela maneira? A causa não foi política, embora a política do antigo Israel contribua muito pouco para o pano de fundo do Salmo 122, nem a admiração que os viajantes experimentam quando visitam algum lugar pela primeira vez. Naquela época, Deus havia revelado que a sua morada na terra seria no Monte Sião, no Templo Sagrado (2Crônicas 6:6; 7:16). Durante esse tempo, no momento mais amplo da história da salvação, Israel foi o alvo da aliança com Deus, uma aliança cujas promessas se estenderam a todas as nações da terra (Atos 3:25) e cuja a bem-aventurança futura dependia da fidelidade dos descendentes de Abraão.
Resumindo, Deus estava presente ali. Ele estava realizando algo extraordinário através de Jerusalém. A aliança florescia naquela cidade, repleta das promessas de salvação universal preditas. Foi por isso que Jerusalém mereceu seu lugar de honra, tornando-se um destino digno para os peregrinos.
Hoje, muitas pessoas visitam a Terra Santa para refletir sobre o passado, para relembrar o que aconteceu com Jesus, para caminhar pelos mesmos lugares por onde Ele andou. Esse tipo de nostalgia atrai muitas pessoas. No entanto, quando o Salmo 122 foi escrito, não era apenas o significado histórico de Jerusalém que importava, mas também o que ela representava para o futuro. Deus estava agindo ali, Seu Espírito estava presente, e Ele estava realizando uma obra maravilhosa aos olhos de Seu povo.
Com a obra consumada do Cristo na cruz e a revelação de que agora somos todos templos do Espírito Santo (1Coríntios 3:16-17; 1Coríntios 6:19-20; Hebreus 3:5-6; 2 Coríntios 6:16; Gálatas 2:20; João 14:23), a Bíblia enfatiza que não precisamos mais de um lugar específico para nossa devoção. Embora essa ênfase seja um reflexo natural do que o Novo Testamento revela, é possível que, ao focarmos exclusivamente nessa verdade, tenhamos perdido algo importante que não deveríamos ter deixado de lado — uma verdade que até mesmo um salmo tão antigo como o Salmo 122 pode nos lembrar.
O “problema”, se é que podemos chamá-lo assim, está relacionado a algo que, por si só, não é um problema, mas sim uma verdadeira bênção: a presença santa do Espírito de Deus em cada um de nossos corações, assim como em cada verdadeira Igreja de Jesus Cristo espalhada por todo o mundo.
Com o passar do tempo, o significado desses espaços sagrados e da presença divina tende a se enfraquecer. Quão facilmente nossas mentes transitam da visão de que tudo é sagrado para a visão de que nada é sagrado! Se nossa fé tivesse um santuário sagrado central e definido, é provável que venerássemos esse lugar, o protegêssemos e o tratássemos com a devida reverência. Porém, como temos milhares de igrejas, e cada uma delas é considerada igualmente santa, o significado dessa santidade acaba se apagando.
Com que frequência fazemos da oração pela paz uma prioridade dentro da nossa congregação? Quantas vezes, ao ponderar sobre algo que queremos comunicar à igreja ou, em particular, a um irmão, pesamos as palavras em relação à integridade sagrada do lugar? Quantas vezes refletimos sobre se o que estamos fazendo contribuirá para a paz na igreja, ou se, ao contrário, estamos prejudicando essa paz com palavras destrutivas e não edificantes?
A nossa fé não depende de uma “Jerusalém” pela qual precisamos buscar a presença de Deus. O que temos, porém, é a presença e a obra do Espírito de Deus em nossos corações, tanto individualmente quanto coletivamente, seja em casa ou em qualquer igreja que professe a mesma fé. Cada um de nós é um dispensador dessa presença divina. O Advento nos lembra que Deus desceu até nós e, agora, pelo Espírito Santo, habita em cada crente, sempre que andamos em conformidade com os ensinamentos bíblicos.
Jerusalém, o centro da adoração a Deus
Deus queria de fato que seu povo o adorasse em um único lugar (Deuteronômio 12:13-14). Jerusalém foi posteriormente escolhida para ser esse lugar, após Davi ter levado a arca para lá (1Samuel 6:12). Depois, foi também ali que Salomão edificou o templo (1Reis 6:1).
Originalmente, Jerusalém foi celebrada pelos israelitas como o centro da adoração a Deus, o lugar onde a presença divina se manifestava de forma tangível, primeiro no tabernáculo e, posteriormente, no templo de Salomão. O Salmo 122 expressa a alegria e o desejo dos peregrinos de chegar à cidade santa, onde poderiam experimentar a proximidade com Deus, orar e viver a aliança que Ele fez com o povo de Israel. Era o lugar onde Deus estava presente, e onde, no contexto histórico, as promessas de bênçãos e salvação para todas as nações começavam a se cumprir.
Uma análise à luz das Escrituras e da história
A análise do Salmo 122, à luz de sua história, contexto e aplicação para os dias de hoje, nos leva a uma reflexão mais profunda sobre o papel de Jerusalém, o lugar sagrado, na história da salvação e, sobretudo, como os cristãos podem entender e aplicar esse salmo em sua vida espiritual. Contudo, há uma interpretação equivocada do Salmo 122, que usa o primeiro versículo isoladamente, entendendo tratar-se de um incentivo a participação nos cultos, mas, isso é só mais uma forma de persuadir os fiéis à permanecerem presos aos templos.
Ao observarmos o texto com atenção, podemos entender que, quando o salmista diz: "Vamos à casa do Senhor", ele não está se referindo ao templo, mas à cidade de Jerusalém. Isso fica claro no versículo 2, quando o salmista afirma: "Os nossos pés estão dentro das tuas portas, ó Jerusalém."
Nos dias de Davi, não havia ainda o templo, pois ele só seria construído nos dias de Salomão. Além disso, a arca da aliança não estava no tabernáculo, mas na casa de Obede-Edom, o giteu (2Sm 6:10-11; 1Cr 13:13-14), desde que havia sido trazida de Quiriate-Jearim (1Sm 6:21; 7:1-2), onde esteve na casa de Abinadabe, em Gibeá, por 20 anos (2Sm 6:3; 1Sm 7:1-2). Entretanto, ao refletirmos sobre a mensagem do Salmo 122 na era cristã, a interpretação precisa evoluir.
A vinda de Cristo, a Sua obra redentora na cruz e a descida do Espírito Santo em todos os corações dos que creem mudaram completamente a dinâmica da adoração. Como cristãos, não buscamos um templo físico para nos encontrarmos com Deus, pois Ele não habita mais em templos feitos por mãos humanas, mas em nossos corações. Somos agora o templo do Espírito Santo (1Coríntios 3:16-17; 6:19-20). Não há mais a necessidade de peregrinar para um local físico, pois a verdadeira presença de Deus está conosco em todos os momentos, em qualquer lugar onde estivermos em comunhão com Ele.
Conclusão
No entanto, a espiritualidade que os peregrinos de Israel viviam, ao se dirigirem com alegria para Jerusalém, ainda tem muito a nos ensinar. O Salmo 122 nos ensina a buscar a paz e a unidade dentro da Igreja, que é a nova Jerusalém espiritual. Em vez de olharmos para um local físico, o chamado do salmo nos lembra de que, enquanto somos igreja terrena de Cristo, somos chamados a promover a paz, a justiça e a santidade, refletindo o reino de Deus em nossas vidas diárias.
A oração pela paz em Jerusalém, que é mencionada no final do Salmo, também tem um novo significado para os cristãos. Não se trata apenas de um pedido por paz em um local físico, mas de um desejo profundo de ver a paz de Cristo se espalhar por todo o mundo e, em particular, na nossa igreja, que é o corpo de Cristo, a qual Ele é a cabeça e nós os membros. É nessa igreja onde devemos cultivar a harmonia, a reconciliação e a unidade.
A paz em Jerusalém é, portanto, uma metáfora para a paz espiritual que deve reinar em nossas vidas e comunidades de fé. Em resumo, o Salmo 122, quando lido à luz do Novo Testamento e da obra do Cristo, nos ensina que o verdadeiro lugar de adoração é onde Deus habita em Espírito, e que nossa missão é buscar a paz, a justiça e a santidade em todos os lugares, como membros do corpo de Cristo.
Mesmo sem um templo físico, a “Jerusalém celestial” é o nosso destino final, e devemos viver de acordo com os valores do reino de Deus, aguardando com esperança e expectativa a plenitude de Sua presença no futuro. Não obstante, além do estudo literário e da lição histórica do Salmo 122, não há muito a ser aplicado aos nossos dias.
Graça e paz!
Garberson Alencar.
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