Dízimo – Uma Análise à Luz da Palavra de Deus (Parte III)
Fazer a vontade de Deus deve ser a principal meta de todos os cristãos. Para cumprir essa vontade, é essencial conhecer profundamente a Palavra de Deus, especialmente os ensinamentos bíblicos sobre o ato de dar dentro da Nova Aliança. Logo após a morte de nosso Senhor Jesus, a prioridade do povo de Deus era evidente: o amor a Deus e ao próximo, demonstrado de forma prática pelo cuidado com os mais pobres e necessitados (Atos 2:44-47). Ainda hoje, a vontade de Deus é que Seu povo seja reconhecido entre todas as nações por esse amor genuíno e transformador.
Existem questionamentos fundamentais que necessitam de respostas claras e bem fundamentadas: Qual foi a posição de nosso Senhor Jesus em relação ao dízimo? Os apóstolos trataram desse tema em suas epístolas? E quando a sistemática obrigatória de dizimar foi introduzida no cristianismo?
A análise desse assunto representa um verdadeiro clamor de alerta ao povo de Deus. Como seguidores comprometidos com a verdade, somos chamados a refletir o caráter de Deus e a fazer transbordar Seu amor em um mundo marcado pela corrupção e crueldade.
Jesus e o dízimo
Nosso Senhor Jesus Cristo é o ponto central onde a antiga e a nova aliança se encontram. É importante compreender que a nova aliança não teve início no nascimento de Jesus, mas em Sua morte. A conclusão é clara: Deus revogou o primeiro pacto, baseado nos sacrifícios de animais, para estabelecer o segundo pacto, fundamentado no sacrifício de Cristo (Hebreus 9:15-17; 10:9-10; 1 Coríntios 11:25).
As ordenanças relacionadas aos sacrifícios de animais e às atividades realizadas no Santuário serviam como uma sombra que apontava para o maior e perfeito sacrifício: o de Cristo no Calvário.
Todas as palavras de Jesus registradas nos quatro Evangelhos, proferidas antes de Sua morte, foram ditas enquanto ainda vigorava o sistema sacerdotal levítico. Durante esse período, a entrega do dízimo era obrigatória, conforme estabelecia a Lei. No entanto, há poucas referências ao dízimo nos relatos do ministério de nosso Senhor Jesus Cristo, e em nenhuma delas é mencionado que Ele tenha dado o dízimo.
Como Jesus não exercia atividades agropecuárias, Ele estava isento de dizimar, conforme previa a Lei (ver estudo: O dízimo durante a vigência do sistema sacerdotal levítico). Além disso, não há registro de que Jesus tenha sido cobrado ou acusado pelos fariseus em relação a essa prática, o que reforça que Ele estava em conformidade com os preceitos da Lei à época.
Os únicos textos encontrados são: “Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas, porque vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezam os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Mas vocês deviam fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” (Mateus 23:23).
“Ai de vocês, fariseus! Porque vocês dão o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, e desprezam a justiça e o amor de Deus. Vocês deveriam fazer estas coisas, sem omitir aquelas.” (Lucas 11:42).
“Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho.” (Lucas 18:12).
Em todas essas citações, o Senhor Jesus tratou o dízimo como uma questão secundária. Ao proferir essas palavras, Seu principal objetivo era repreender os fariseus por sua arrogância e por negligenciarem o que era mais importante na Lei: a prática da justiça, da misericórdia e da fé.
As denominações religiosas que defendem a validade do dízimo com base em Mateus 23:23 e Lucas 11:42 provavelmente não aceitariam, nos dias de hoje, o dízimo de hortelã, endro, cominho, arruda ou outras hortaliças para sustentar suas imensas estruturas institucionais. Além disso, é evidente, pelos textos citados, que o dízimo na época não era entregue em dinheiro, mas em produtos agrícolas, conforme as práticas e normas do sistema sacerdotal levítico.
O livro de hebreus e o dízimo
O termo "dízimo" também é mencionado no capítulo 7 da epístola aos Hebreus. Contudo, antes de tirar quaisquer conclusões, é essencial analisar todo o contexto. O tema abordado neste capítulo não discute se o dízimo deve ou não ser praticado nos dias de hoje, nem quando ou onde ele deve ser entregue.
O propósito do autor da carta é, na verdade, destacar a superioridade do sacerdócio de Cristo em relação ao sacerdócio de Arão, utilizando Melquisedeque como uma figura que prefigura Cristo. A menção ao dízimo no contexto serve apenas como um elemento ilustrativo para reforçar essa comparação, e não como uma instrução normativa para a prática nos tempos atuais.
O profeta Davi já havia profetizado que o Messias seria "sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque" (Salmos 110:4). É importante destacar que o sacerdote e rei Melquisedeque viveu antes do nascimento de Isaque e, portanto, não era descendente da tribo de Levi, um dos netos de Isaque.
O autor do livro de Hebreus utilizou Melquisedeque como uma figura simbólica para apontar a singularidade e a eternidade do sacerdócio de Cristo. Ao mencionar que Abraão deu o dízimo sobre os despojos de guerra a Melquisedeque (Gênesis 14:18-20), o escritor não está instituindo uma prática normativa, mas apenas reforçando a superioridade do sacerdócio de Melquisedeque — e, consequentemente, do de Cristo — em relação ao sistema levítico.
Esse tema precisava ser esclarecido, especialmente para aqueles que ainda seguiam os rituais de sacrifício da antiga aliança. Nos capítulos 7 a 10, o autor da epístola aos Hebreus deixa claro que seu objetivo é demonstrar a superioridade do sacerdócio de Jesus em relação ao sacerdócio de Arão.
O antigo sistema sacerdotal, baseado na linhagem de Arão, foi cancelado por Deus porque era incapaz de salvar o povo de seus pecados, sendo considerado "fraco e inútil" para tal propósito (Hebreus 7:18). Sobre isso, o autor faz a seguinte pergunta: “Portanto, se a perfeição fosse possível por meio do sacerdócio levítico pois foi com base nele que o povo recebeu a lei, que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e não segundo a ordem de Arão?” (Hebreus 7:11).
Além disso, a Palavra de Deus afirma: “Mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei” (Hebreus 7:12). Essa mudança foi essencial porque Cristo não fazia parte da linhagem da tribo sacerdotal de Levi, mas pertencia à tribo de Judá. Segundo a lei que regulava as atividades no Santuário, a tribo de Judá não podia exercer o sacerdócio, pois não havia sido escolhida por Deus para esse propósito.
Assim, todas as cerimônias associadas aos sacrifícios realizados no Santuário foram abolidas com a morte de Cristo, pois estas eram apenas sombras que prefiguravam a “oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez por todas” (Hebreus 10:10). Esses rituais cerimoniais apontavam para a realidade que é Cristo, que alcançou um "ministério tanto mais excelente, quanto é também mediador de uma superior aliança, o qual está firmado sobre melhores promessas" (Hebreus 8:6). Cristo Se manifestou “para aniquilar o pecado por meio do sacrifício de Si mesmo” (Hebreus 9:26).
O principal objetivo do autor da epístola aos Hebreus era destacar a mudança no modelo sacerdotal, e não estabelecer uma base doutrinária sobre o dízimo. Na verdade, usar a experiência de Abraão como fundamento para uma tese sobre a obrigatoriedade do dízimo não é muito razoável pelas seguintes razões:
• Abraão entregou o dízimo (a décima parte) apenas sobre os despojos de guerra (Hebreus 7:4);
• Abraão devolveu os outros 90% aos legítimos donos, após descontar as despesas com a guerra (Gênesis 14:22-24);
• Não há registro bíblico de que o dízimo entregue por Abraão fosse uma prática sistemática ou obrigatória, com base em alguma prescrição legal, e muito menos que tenha sido calculado sobre seus ganhos financeiros ou patrimônio pessoal.
O verdadeiro povo de Deus não se baseia em suposições, mas fundamenta seus ensinamentos em um claro e firme "Assim diz o Senhor".
O dízimo foi praticado durante a era apostólica?
Não há registro da prática do dízimo entre os primeiros cristãos, especialmente durante a era apostólica, após a ascensão de Cristo. Vivendo essa nova experiência, o povo remanescente de Deus não estava mais sob o antigo pacto. O relato bíblico descreve: “Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, conforme alguém tinha necessidade” (Atos 2:44-45).
Não havia necessitados entre eles, pois o foco não estava na construção de templos nem no pagamento de salários aos obreiros. O que prevalecia entre aquele povo era a prática do amor ao próximo. As atitudes eram claras e transparentes:
“Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Não havia nenhum necessitado entre eles, porque os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e os depositavam aos pés dos apóstolos; então se distribuía a cada um conforme a sua necessidade.” (Atos 4:32-35).
As dádivas entre o remanescente povo de Deus não eram impostas por mandamento, por ordem legal ou por exigência de contribuição com um percentual específico sob ameaça de maldição. Elas eram, antes, o resultado de um relacionamento íntimo com Deus.
Durante o Seu ministério, o Senhor Jesus deu grande ênfase à importância de cultivar o amor ao próximo:
• A história do jovem rico (Mateus 19:21);
• A recompensa aos que praticarem a beneficência (Mateus 25:34-40).
O evangelho não é sinônimo de dinheiro, mas sim o exercício do verdadeiro amor. O apóstolo Paulo diz o seguinte: “E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” (1Coríntios 13:3).
Contrariando as orientações de Deus, muitas instituições religiosas transformam o evangelho em uma fonte de recursos materiais. É difícil conciliar tais atitudes com as palavras de Jesus, que disse: “...de graça recebestes, de graça dai” (Mateus 10:8). Por que não seguir essa sábia orientação de nosso Mestre e Salvador?
O amor é a motivação principal para o “dar” na nova aliança instituída por nosso Senhor Jesus. Nos capítulos 8 e 9 da segunda carta de Paulo aos Coríntios, encontramos diversas orientações e informações sobre como os primeiros cristãos conduziam seu caminhar em relação ao sustento da obra de Deus. É interessante notar que o dízimo não é mencionado nesses textos, nem em 1 Coríntios 9, onde o apóstolo Paulo faz declarações reveladoras para aqueles que anunciam o evangelho. Referindo-se aos LEVITAS, ele escreveu:
“Vocês não sabiam que os que prestam serviços sagrados se alimentam do próprio templo? E quem serve ao altar do altar tira o seu sustento?” (1Coríntios 9:13).
Na sequência, ele transmitiu o seguinte: “Assim também o Senhor ordenou aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho. Eu, porém, não tenho feito uso de nenhuma destas coisas e não escrevo isto para que assim se faça comigo. Preferiria morrer a deixar que alguém me tire esta glória.” (1Coríntios 9:14-15).
Mais adiante, o apóstolo afirma: “Nesse caso, qual é a minha recompensa? É que, anunciando o evangelho, eu o apresente de graça, para não me valer do direito que ele me dá.” (1Coríntios 9:18).
Por que não imitar o exemplo digno do apóstolo Paulo?
É importante lembrar que “a religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo.” (Tiago 1:27).
Conclusão
Depois de Cristo, o povo remanescente de Deus não mais entregava o dízimo, mas fazia suas contribuições de forma voluntária. Com a entrada da apostasia, algumas mudanças ocorreram no seio do cristianismo. Em 585 d.C., no terceiro concílio de Mâcon, convocado pelo rei da Borgonha, que reuniu os bispos da Borgonha e da Nêustria, foram promulgados vinte cânones, e entre eles, um determinava a excomunhão de todos aqueles que não pagassem o dízimo à igreja. Quase dois séculos depois, sob o comando de Carlos Magno, o poder civil apoiou a legislação eclesiástica, confirmando-a com uma sanção civil, tornando o pagamento do dízimo à Igreja de Roma obrigatório. Dessa forma, a prática obrigatória do dízimo foi restabelecida por iniciativa da Igreja de Roma.
Nos séculos XVIII e XIX, essa obrigação foi temporariamente abolida devido a pressões de setores sociais e industriais, pois as quantias arrecadadas não estavam sendo devidamente aplicadas aos fins estipulados pela legislação eclesiástica e civil.
No século XX, a Igreja de Roma voltou a implantar gradualmente em suas bases eclesiásticas a prática do dízimo como um sistema de contribuição sistemática e periódica, substituindo o sistema de taxas. Infelizmente, essa prática da Igreja de Roma está sendo copiada por muitos segmentos religiosos nos dias atuais.
Estar isento do dízimo não significa estar isento de responsabilidades para com a obra de Deus. Todos os dons devem ser ministrados individualmente, com responsabilidade e de acordo com as orientações divinas.
Deus não nos pede o impossível ou o irrazoável, mas sim uma completa consagração a Ele. A esse respeito, o apóstolo Paulo diz o seguinte:
“Portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, peço que ofereçam o seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês. E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente, para que possam experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:1-2).
Graça e paz!
Fonte: Verdade em Foco
Revisão: Garberson Alencar
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