Os Patriarcas e o Dízimo (Parte 01)
INTRODUÇÃO
O objetivo é explanar sucintamente o tema do dízimo, utilizando a Bíblia Sagrada como fonte de referência.
As histórias bíblicas são analisadas na íntegra, e cada texto é interpretado com total seriedade e total imparcialidade. A questão é importante demais para ser ignorada, e é importante que os líderes religiosos estejam dispostos a se engajar em um diálogo aberto sobre essa questão, porque a relutância em fazê-lo abre a porta para dúvidas e incertezas.
Pagar ou entregar dízimos não deu início com os israelitas. Antigas civilizações pagãs, incluindo os fenícios, árabes, babilônios, cartagineses, chineses, gregos e romanos, pagavam dízimos. Tábuas cuneiformes atestam essa prática entre os povos da Mesopotâmia. (Veja W. von Soden, He Ancient Orient, Eerdmans, 1994, pp. 188-198. Também A. Leo Oppenheim, Ancient Mesopotamia, University of Chicago, 1977, pp. 183- 198 e W. Eichrodt, Theology of He Old Testament, SCM, 1987, Vol. I, pp. 141-177 e Harris, Archer, Waltke, Theological Wordbook of He Old Testament, Moody Press, 1980).
Muitos autoproclamados cristãos manifestaram sua preocupação e não querem se aprofundar em estudos bíblicos sobre um assunto tão importante, mas mesmo assim é bom lembrar que se os propósitos de Deus forem aceitos na perspectiva correta, as vitórias espirituais serão alcançadas.
A primeira parte desse estudo expõe e enfoca os equívocos ensinados em muitas instituições religiosas com base no tema do dízimo na era patriarcal. Esse dízimo ainda era obrigatório e sistemático? O que aprendemos hoje com as experiências de Abrão (a quem Deus mais tarde chamou de Abraão) e Jacó?
O DÍZIMO DE ESPÓLIO DE GUERRA DADO POR ABRAÃO
Deus chamou Abraão para deixar sua terra, Ur dos Caldeus, cujos habitantes eram pagãos, para ir para a terra de Canaã. Obedecendo ao chamado de Deus, Abraão mudou-se para Harã e lá permaneceu até a morte de seu pai. Quando partiu para a terra de Canaã, a Palavra de Deus diz que Abraão levou consigo sua esposa Sara e seu sobrinho Ló, filho de seu irmão falecido, e todos os bens que adquirira e as pessoas que lhe foram acrescentadas em Harã (Gênesis 12:5). Devido à grande quantidade de bens de Abraão e Ló, surgiu uma disputa entre seus pastores. Eles conversaram e decidiram se separar pacificamente, conforme registrado em Gênesis 13. Abraão ficou em Canaã e Ló foi para os limites da cidade de Sodoma (Gênesis 13:12).
Tudo estava indo muito bem até que um conflito eclodiu na área. Os cinco reis decidiram se rebelar quando se cansaram de servir Quedorlaomer, rei de Elão, por doze anos. Eles foram: Bera, rei de Sodoma; Birsa, rei de Gomorra; Sinab, rei de Adma; Semeber, rei de Zeboim; Bela, rei de Coar (vizinho do Egito).
O rei Quedorlaomer de Elam reage e convoca três outros reis para suprimir os rebeldes. Eles foram: Amrafel, rei de Sinar (região da Babilônia); Arjok, rei de Elasar; Maré, Rei dos Goyim. A Bíblia Sagrada chama essa guerra de "guerra de quatro reis contra cinco" (Gênesis 14:1-17).
As forças lideradas pelo rei Chedorlaomer derrotaram impiedosamente os reis rebeldes inexperientes em batalha e venceram. Os vencedores saquearam as cidades da planície, e todo o povo, seus bens e todos os seus alimentos foram capturados. Até mesmo Ló, que morava fora da cidade de Sodoma, foi capturado e todos os seus bens confiscados (Gênesis 14:12).
Abraão ficou sabendo do infortúnio que se abateu sobre seu sobrinho Ló através de uma pessoa que fugiu da batalha. Movido por um profundo amor pelo sobrinho, o patriarca Abraão decidiu libertá-lo. Para isso, reuniu um grupo de elite de trezentos e dezoito bravos guerreiros, todos criados em sua casa e devidamente treinados para a batalha. Ele também buscou o apoio de três aliados reais, os irmãos Manre, Escol e Aner, governadores das planícies dos amorreu, que se juntaram a ele com suas tropas. Juntos, eles começaram a perseguir os atacantes. A vitória foi esmagadora. Todos os cativos foram libertados e todos os bens recuperados (Gênesis 14:16).
Então a Palavra de Deus registra o encontro de Abraão com o Rei Melquisedeque de Salém. Como sacerdote do Deus Altíssimo, ele trouxe pão e vinho, proclamou a bênção de Abraão e agradeceu a Jeová, que havia feito tão grande salvação por meio de Seu servo. E Abraão deu-lhe um décimo de tudo. (Gênesis 14:18-20; Hebreus 7:1, 2).
Era costume que os despojos de guerra fossem para os vencedores. Abraão, no entanto, não empreendeu essa expedição com fins lucrativos e recusou-se a aproveitá-la, mas ordenou que seus aliados participassem. Um exemplo é a história da exigência do rei de Sodoma para que Abraão ficasse com bens materiais e devolvesse apenas as pessoas sequestradas por Quedorlaomer. Abraão lhe disse:
"Abrão, porém, disse ao rei de Sodoma: Levantei minha mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra, Jurando que desde um fio até à correia de um sapato, não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu; para que não digas: Eu enriqueci a Abrão; Salvo tão-somente o que os jovens comeram, e a parte que toca aos homens que comigo foram, Aner, Escol e Manre; estes que tomem a sua parte.” (Gênesis 14:22-24).
Foi exatamente o que Abraão fez. Após deduzir os custos operacionais da guerra, ele devolveu 90% (noventa por cento) de todos os despojos de guerra aos seus legítimos proprietários e, segundo o costume dos povos antigos pagãos, deu 10% (dez por cento) ao sacerdote Melquisedeque.
O texto bíblico diz que Abraão deu o dízimo de tudo, não de seus próprios bens, mas apenas dos despojos de guerra. Este entendimento é consistente com Hebreus 7:4: "Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos."
A Bíblia não menciona que esses dízimos são sistemáticos e obrigatórios. Também não há informações sobre a obrigação de pagar o dízimo do espólio de guerra.
Embora Abraão não seja um exemplo de dizimista do nosso tempo, Deus não o julgou, porque "Depois destas coisas veio a palavra do SENHOR a Abrão em visão, dizendo: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão. (Gênesis 15:1).
Jacó estava a caminho de Harã, sob a orientação de sua mãe, por causa da ira de seu irmão Esaú. "E Jacó saiu de Berseba e foi para Harã, e ele chegou a um lugar onde ficou porque o sol se pôs. E ele pegou uma pedra daquele lugar e colocou-a debaixo de sua cabeça e se deitou ali." Deuteronômio 28:10 e 11.
DÍZIMO DE JACÓ
Quando se trata de dízimo, a história de Jacó não pode ser ignorada. Jacó era filho de Isaque, neto de Abraão, herdeiro da promessa e patriarca escolhido de Deus, de quem descendia a nação de Israel.
Jacó estava a caminho de Harã, sob a orientação de sua mãe, por causa da ira de seu irmão Esaú. “Partiu, pois, Jacó de Berseba, e foi a Harã; E chegou a um lugar onde passou a noite, porque já o sol era posto; e tomou uma das pedras daquele lugar, e a pôs por seu travesseiro, e deitou-se naquele lugar.” (Gênesis 28:10,11).
Nesse sonho, Jacó viu uma escada que subia até o céu, e os anjos de Deus subindo e descendo por ela. No sonho, Deus estava acima da escada e disse a Jacó: "...Eu sou o Senhor Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência; E a tua descendência será como o pó da terra, e estender-se-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul, e em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra; E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; porque não te deixarei, até que haja cumprido o que te tenho falado.” (Gênesis 28:13-15.).
Em resposta a essas promessas de Deus, Jacó fez uma promessa: "...E Jacó fez um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer, e vestes para vestir; E eu em paz tornar à casa de meu pai, o Senhor me será por Deus; E esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo. (Gênesis 28:20-22).
O histórico de Jacó é, sem dúvida, impressionante, e por isso aqueles que defendem uma teologia sistemática e obrigatória do dízimo devem considerá-lo um dizimista exemplar. No entanto, em se tratando deste assunto, os princípios contidos na história de Jacó levam-nos a conclusões diversas:
• Fazendo uma promessa ou voto a Deus, Jacó mostrou que não era dizimista. Jacó, que cresceu sob as estritas condições da religião patriarcal, não aprendeu esta prática de seu avô e pai, se é que realmente existiu? A promessa é oferecer algo novo na busca de uma melhor experiência espiritual. Como alguém pode jurar fora algo que já faz parte de sua rotina?
• O dízimo de Jacó era condicional: primeiro a bênção, depois o dízimo. É importante notar que o ônus da prova era de Deus. Se Deus não o abençoasse, ele não pagaria o dízimo. Hoje, as instituições religiosas ensinam o contrário. A bênção de Deus é condicional. Primeiro o dízimo, depois a bênção.
• Há um terceiro aspecto interessante neste relato. Jacó apresenta cinco condições gerais a Deus:
1. Se Deus está comigo e
2. Me guardar nesta viagem que empreendo, e
3. Dá-me pão para comer, e
4. Vestes para vestir-me, e
5. Voltar em paz para a casa de meu pai.
Estas cinco condições são unidas pela preposição "e" (Gênesis 28:20). Se Deus cumprisse apenas quatro dos cinco itens da lista de pedidos, Jacó estaria automaticamente livre de cumprir a promessa. Ele pediu a presença de Deus + proteção + comida + roupa + paz. De acordo com a promessa de Jacó, ele dará o dízimo quando todas as condições forem cumpridas. Todos, sem exceção.
Não sabemos se Jacó deu o dízimo porque não há evidência bíblica para isso. Tudo o que sabemos é que Deus cumpriu todas as condições durante os próximos 20 (vinte) anos, culminando em seu retorno à terra de Canaã (Gênesis 31:38 e 33:18-20).
CONCLUSÕES
O exemplo de Abraão, além de refletir apenas um fato de sua vida, não parece ser uma orientação divina, mas um costume social de seu tempo. Em nenhum lugar é mencionado ou mesmo implícito que Abraão deu o dízimo por força da lei. O lado positivo dessa ação é o respeito e a honra que ele demonstrou ao rei e ao sacerdote Melquisedeque. A Bíblia não menciona que Abraão transmitiu esse ensinamento a seus filhos.
No caso de Jacó, o dízimo estava relacionado a uma promessa feita em um momento de medo e dúvida. Não havia obrigação legal ou orientação divina, nem seu pai Isaac e seu avô Abraão deram instruções para tal procedimento.
As experiências de Abraão e Jacó são os únicos exemplos da questão do dízimo na era patriarcal antes que a lei do dizimo fosse dada a Moisés. De qualquer forma, não há menção na Bíblia Sagrada que seja obrigatório e sistemático. Além de ser uma prática das antigas civilizações pagãs, era também um sinal de gratidão e devoção.
Por: Dr. H.c. Ruy Gomes
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