Na ocasião da entrada de Jesus em Jerusalém, durante a celebração da Páscoa, Ele passou por uma figueira enquanto se dirigia de Betânia para a cidade. A cena ocorre de manhã, e a Bíblia nos diz que Jesus avistou uma figueira "com folhas" (Marcos 11:13).
Embora fosse primavera, época em que os figos ainda não estavam maduros na maioria das figueiras, essa árvore em particular chamou a atenção de Jesus devido à abundância de suas folhas, o que era normal em qualquer árvore, menos em uma figueira. No entanto, tratava-se de um florescimento precoce. As folhas por si só não eram um bom indicativo de frutos maduros, mas sim um sinal de que a árvore provavelmente teria figos precoces, como era comum em figueiras saudáveis.
Com essa expectativa, Jesus se aproximou para ver se havia frutos na árvore. No entanto, ao inspecioná-la, Ele se deparou com uma grande decepção: embora estivesse cheia de folhas, a figueira não tinha frutos. Este cenário foi o suficiente para que Jesus reagisse de forma surpreendente, amaldiçoando a árvore e fazendo com que ela murchasse desde as raízes, declarando que nunca mais daria frutos (Marcos 11:14).
Esse episódio pode nos causar surpresa, pois parece contrastar com a imagem gentil e compassiva de Jesus, o mesmo Jesus que acolhia as crianças, curava os doentes e acalmava as tempestades. No entanto, esse ato simbólico contém uma mensagem profunda.
O que devemos aprender com esta cena peculiar?
Superficialmente, a maldição da figueira pode parecer uma simples lição prática sobre o poder da oração fiel (Mateus 21:20–22). Contudo, há muito mais acontecendo nos bastidores dessa história. A maldição da figueira não é apenas um ato isolado, mas também uma parábola encenada. Jesus, com seu gesto simbólico, traz à tona um importante aviso para os cristãos, que pode ser entendido de pelo menos duas maneiras.
1. A infrutuosidade leva ao julgamento.
Ao longo de todo o Antigo Testamento, Israel é frequentemente descrito como a vinha, a árvore ou a plantação de Deus. Diversos textos bíblicos utilizam essa metáfora para ilustrar o relacionamento especial entre Deus e o Seu povo. Passagens como Juízes 9:8–15, Isaías 3:14, Isaías 5:1–7, Jeremias 12:10, Ezequiel 17:2–10 e Ezequiel 19:10–14 destacam a imagem de Israel como uma plantação ou vinha que pertence a Deus e que tem o dever de produzir frutos.
Para qualquer israelita que fosse agricultor, estava claro que as primícias da colheita pertenciam a Deus (Êxodo 23:19; Neemias 10:35–37). Esse conceito de "primícias" era muito mais do que uma simples prática agrícola; ele expressava a devoção e o reconhecimento de que tudo o que havia na terra era um presente de Deus. Portanto, essa prática ajudava a definir o relacionamento de Israel com o Senhor — como Sua plantação especial, escolhida para ser um povo santo, dedicado à produção de frutos espirituais.
A fertilidade de Israel (seja literal ou simbólica) não é a base do seu relacionamento com Deus, pois é Deus quem concede a fertilidade (Dt 7:13; 28:4). A infertilidade, por outro lado, é um sinal da maldição divina como consequência da rebelião do povo (Dt 11:17).
Essa metáfora, fundamental para a saúde espiritual de Israel, floresce vividamente na era profética. Chegou o momento em que o povo de Deus deveria produzir frutos que abençoariam o mundo (Is 27:6). Várias vezes os profetas descrevem Deus inspecionando Israel à procura de “primeiros figos”, como um sinal de fecundidade espiritual (Mq 7:1; Jr 8:13; Os 9:10-17), mas Ele não encontrava “nenhum primeiro figo maduro que minha alma deseja”. Assim, durante os dois exílios (Assírio e Babilônico), Deus derrama a maldição da esterilidade (Os 9:16), e Israel se torna um “figo podre” (Jr 29:17).
Mas nem tudo está perdido. Deus promete um dia replantar Israel e fazer crescer novamente figos saudáveis (Jl 2:22; Am 9:14; Mq 4:4; Zc 8:12; Ez 36:8). Com esse contexto, as lâmpadas teriam acendido imediatamente nas mentes dos discípulos de Jesus enquanto Ele retratava a história de Israel ao amaldiçoar a figueira.
A figueira infrutífera nos remete a alguns pontos do ministério de Jesus, nos quais o povo de Deus foi chamado a produzir frutos espirituais (Mt 3:8–10; 7:16–20; 13:8; Lc 3:7–9). Jesus tem buscado seriamente os filhos de Deus com uma compaixão firme (Lc 13:34). E as multidões judaicas — reunidas para celebrar o ato passado da redenção de Deus (a Páscoa do Êxodo) — acabaram de aclamar Jesus como “rei”, enquanto Ele lidera um novo êxodo, montado em um jumento carregado de significado (Zc 9:9).
A restauração escatológica chegou. Tudo está se alinhando. Os frutos de Israel serão agora colhidos, e as bênçãos serão derramadas. Embora o restante das nações — as outras figueiras — ainda não estejam na estação, esta árvore está repleta de “folhas”. Tanto Mateus quanto Marcos, ao relatar o episódio da figueira, destacam o lugar onde tudo acontecerá: “Jerusalém”.
A figueira, mais uma vez, falhou. A celebração da Páscoa, o tumulto, as multidões, os cânticos — tudo não passa de um espetáculo. Jesus entra na casa de oração de Deus e a encontra transformada em um “covil de ladrões” (Mc 11:17). Muito movimento, muita agitação, mas nenhuma retidão. Muitas folhas, mas sem frutos.
Assim, ao inspecionar a árvore infrutífera, Jesus pronuncia o julgamento divino por meio de dois atos (sinais): o ato que aponta para o futuro, ao amaldiçoar o templo, e a metáfora encenada ao amaldiçoar a árvore.
2. Pense nos seus próprios figos.
Quando os discípulos pedem a Jesus que explique o que acabou de acontecer, Ele fala sobre oração (Mt 21:21-22). Embora ainda não compreendam completamente, eles serão os novos zeladores do povo de Deus (Mt 21:33-45). Serão instrumentos através dos quais Israel será transformado, quando os seguidores de Cristo espalharem ramos por todo o mundo e produzirem frutos de todas as nações (começando com o livro de Atos).
Assim, a maldição da figueira não se refere apenas ao Israel histórico; ela diz respeito também a nós. Ela se aplica a todo o povo de Deus ao longo dos tempos.
A expectativa do Antigo Testamento de que o povo da aliança de Deus produzisse frutos não murchou naquela estrada entre Betânia e Jerusalém, quando a figueira encontrou seu destino. Na verdade, o mandamento de que o povo de Deus produza frutos espirituais se intensificou na nova era, e não enfraqueceu (Jo 4:36; 15:2-16; Rm 1:13; 6:21; Gl 5:22; Fp 1:11; 4:17; Hb 12:11; Tg 3:17). Isso não é para criar uma mera aparência de jardinagem de Deus, mas para render aquilo que Ele nos comissionou a produzir.
Esta passagem não apenas nos lembra que um cristão, por obrigação, deve produzir frutos espirituais (mesmo que sejam apenas pequenos figos precoces), mas também nos alerta sobre a ameaça e a tentação de falsas pretensões de frutos.
A figueira, assim como os movimentados pátios do templo durante a Páscoa, estava sendo uma grande atração. E isso tornou tudo ainda pior. Uma coisa é faltar fruta fora de época. Outra coisa é não ter frutos e fingir que os tem.
Portanto, estejamos atentos. Nossas vidas podem parecer “cheias de folhas”. Nossas folhas podem dar a impressão de um superpai, de um vencedor, de um superprofissional, de uma família perfeita, de uma equipe cristã com uma agenda cheia de atividades ministeriais. Mas a raiz pode estar murcha. Pode não haver fruto de santidade nem intimidade com Deus. O que é pior: nossas folhas podem até nos enganar.
As folhas da igreja também podem parecer impressionantes: frequência, campanhas, líderes inteligentes, boas músicas... Mas o que o Senhor encontrará após uma inspeção minuciosa? Ele encontrará apenas folhas? Ou Ele encontrará frutos também?
Graça e paz!
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