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"Mas Jesus lhe disse: Em verdade lhe digo que, nesta noite, antes que o galo cante, você me negará três vezes." (Mateus 26:34)
No Evangelho de Mateus 26:34, e em textos paralelos nos outros evangelhos, como Marcos 14:30, Lucas 22:34 e João 13:38, encontramos uma das histórias mais conhecidas da Bíblia: a negação de Cristo por Pedro, discípulo de Jesus. Nessa passagem, Jesus anuncia que Pedro o negaria três vezes antes que o galo cantasse.
Costumeiramente, aceita-se com naturalidade que o "canto do galo" mencionado por Jesus, ao prever que Pedro o negaria, referia-se ao cantar de uma ave. No entanto, é perfeitamente possível que essa expressão não se referisse literalmente ao canto de um galo. Assim, surge a pergunta: se não era o cantar de uma ave, afinal, o que seria o "canto do galo" que ocorreu quando Pedro negou Jesus?
Neste artigo, faremos um breve comentário sobre essa passagem tão conhecida e apresentaremos uma revelação surpreendente sobre o "galo" que cantou, mas de uma forma diferente daquela que a maioria das pessoas geralmente se acredita.
Para compreender melhor esse texto, é fundamental conhecer um pouco da cultura judaica e de outros povos da época, especialmente no contexto histórico em que o Novo Testamento foi escrito. Os Evangelhos trazem detalhes e informações que refletem essa realidade cultural, mas, muitas vezes, não fornecem explicações suficientes para que possamos entender plenamente determinados aspectos.
Os Evangelhos contêm diversas evidências de práticas, ideias e expressões ligadas ao judaísmo, refletindo a cultura da época. Contudo, muitos leitores modernos, por desconhecerem os costumes e a cultura do judaísmo e de outros povos que habitavam a região, acabam deixando passar esses detalhes importantes. Ao negligenciar o conhecimento histórico e cultural extrabíblico, frequentemente resultam em interpretações equivocadas dos textos.
Um exemplo disso pode ser observado nas últimas horas de vida de Jesus, quando Ele disse a Pedro: “hoje, antes que o galo cante, você negará três vezes que me conhece.” (Lucas 22:34; Mateus 26:34; Marcos 14:30; João 13:38). Assim, como registrado nos Evangelhos, Pedro negou Jesus três vezes antes que o "galo cantasse" (Lucas 22:60-61; Mateus 26:74-75; Marcos 14:72; João 18:27).
A maioria dos leitores acredita que Jesus estava se referindo literalmente ao canto de um galo nas primeiras horas da manhã e que as ações de Pedro ocorreram antes desse evento. À primeira vista, o texto parece claro e direto. No entanto, essa compreensão começa a mudar quando mergulhamos na antiga cultura judaica.
Antes de mergulharmos na cultura judaica, é importante considerar que a casa do Sumo Sacerdote estava localizada no centro de Jerusalém. Certamente, não haveria um galinheiro na área central da cidade, pois, segundo algumas normas judaicas, era proibido criar galos e galinhas na cidade santa por questões de higiene. Por isso, havia uma ordem rabínica rigorosamente seguida pela população, que proibia a criação e a manutenção de galos ou galinhas dentro das muralhas da cidade.
Examinando a cultura judaica da época
No judaísmo, existe um código de leis orais transmitidas de geração em geração, conhecido como Mishná. A Mishná foi escrita em hebraico e transmitida após a destruição do Segundo Templo, em 70 d.C., sendo oficialmente publicada apenas no segundo século d.C. Ela está dividida em seis Ordens, cada uma contendo diversos Tratados; cada tratado é subdividido em Capítulos, e cada capítulo contém um número de Halachot (leis).
A Mishná proibia a criação de galos ou galinhas em Jerusalém, pois, além de fazerem suas necessidades em qualquer lugar, eles ciscavam em busca de pequenos insetos para se alimentar, o que resultava na produção de impurezas. Isso violava a lei da pureza em Israel, que era de extrema importância para o povo. (m. Baba Kama 7.7; ver também b. Baba Kama 82b).
Vejamos o que a Mishná, na sua divisão Nezikin (“Danos”), e o tratado Bava Kamma 7.7 nos dizem sobre a criação de aves e outros tipos de animais:
1. “Eles não podem criar gado miúdo na Terra de Israel, mas eles podem criá-los na Síria ou nos desertos que existem na Terra de Israel.”
Nota: A proibição quanto à criação de “gado miúdo” ocorre porque eles prejudicam os campos semeados.
2. "Eles não podem criar galos em Jerusalém por causa das Coisas Santas, nem os sacerdotes podem criá-los [em qualquer lugar] na Terra de Israel por causa de [as leis concernentes a] alimentos puros."
Nota: A proibição quanto à criação de "galos" existe porque eles são propensos a escolher alimentos, como uma massa de lentilhas, de algo rastejante e morto, o que transmite impureza para as casas quando retornam, pois são galos domésticos.
3. "Ninguém pode criar porco em qualquer lugar."
Nota: A palavra “ninguém”, na expressão “ninguém pode criar porco em qualquer lugar”, aparece em alguns textos como “nenhum israelita”.
4. "Um homem não pode criar um cão, a menos que seja mantido preso por uma corrente."
5. "Eles não podem criar armadilhas para os pombos, a menos que sejam de trinta ris (6.436 metros), de um lugar habitado."
Nota: A expressão “trinta ris” equivale a uma distância de quatro milhas, ou 6.436 metros.
Afinal, como poderia existir um galinheiro no centro da cidade de Jerusalém, especialmente próximo à casa dos sumo-sacerdotes Anás e Caifás? Que galo cantou quando Pedro negou Jesus, se não havia galos na cidade? Se era proibido criar galos dentro dos portões da cidade, de onde surgiu esse galo? Seria realmente uma ave, ou a expressão “cantar do galo” poderia se referir a algo além de um animal?
Existem muitas interpretações equivocadas sobre o "canto do galo", especialmente por parte de leitores que não conhecem a cultura, o cotidiano e a vida diária das populações judaica e romana dos tempos bíblicos. Por essa razão, muitos não conseguem compreender o que o texto realmente dizia originalmente.
As antigas fontes judaicas nos mostram que o verdadeiro significado do "canto do galo" está na forma como a guarda romana dividia a noite. Essa guarda era organizada em quatro vigílias de três horas cada uma.
Divisão das vigílias
Primeira Vigília - Prima vigília ou primum gallicinium: do pôr do sol até às 9 horas, também chamado de vigília do entardecer.
Segunda Vigília - Secunda vigília ou secundum gallicinium: das 9 horas à meia-noite, também chamada de vigília da meia-noite.
Terceira Vigília - Tertia vigília ou tertium gallicinium: da meia-noite às 3 horas, também conhecida como vigília do canto do galo.
Quarta Vigília - Quartus gallicinium: das 3 horas até a aurora, chamada de vigília do amanhecer.
Essas quatro vigílias estabeleciam o período de três horas de serviço de cada turno da guarda romana.
Os judeus inicialmente dividiam a noite em três vigílias: a primeira, chamada "princípios das vigílias" (Ver Lamentações 2:19), ia do pôr do sol até às 10 horas da noite; a segunda, conhecida como "vigília média" ou da "meia-noite" (Juízes 7:19), começava às 10 horas da noite e se estendia até às 2 horas da madrugada; e a terceira, chamada "vigília da manhã" (1 Samuel 11:11), ia das 2 horas da madrugada até o nascer do sol.
Posteriormente, na época do Império Romano, a noite passou a ser dividida, conforme o costume romano, em quatro vigílias, com duração de três horas cada uma (das 6 horas da tarde às 6 horas da manhã) (Mateus 14:25 e Lucas 12:38). No Evangelho de Marcos, as quatro vigílias são designadas pelos nomes específicos de cada uma: "Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã;" (Marcos 13:35).
Os judeus usavam uma forma abreviada ao se referirem a essas vigílias da noite. "Tarde" era a expressão usada para se referir ao fim da primeira vigília, ou seja, às 21h. "Meia-noite" indicava o fim da segunda vigília. Assim, "Cantar do galo" era o termo utilizado para o fim da terceira vigília, ou seja, às 3 horas da madrugada. E "pela manhã" era como se referiam ao fim da quarta vigília, ou seja, às 6 horas da manhã.
O termo grego alektor, que significa "galo", também pode ser interpretado como "homem" ou "marido". Assim, podemos ler o texto de uma forma alternativa: "Hoje, antes que o homem clame, você negará três vezes que me conhece." Isso mostra que os Evangelhos não cometeram erro ao usarem o termo "galo", mesmo quando a criação de galos era proibida na cidade.
Escavações ao longo do canto sudoeste do Monte do Templo em Jerusalém revelaram uma pedra com uma inscrição em hebraico que dizia “para o lugar do toque de trombeta”. Os estudiosos acreditam que essa pedra marcava o local onde os sacerdotes tocavam as trombetas, anunciando os diferentes horários do dia e da semana (ver Josefo, Guerra 4.582). É bem provável que essa pedra marcasse o local de onde soou o “canto do galo”.
Conclusão
Os escritores dos Evangelhos acreditavam que seus leitores compreendiam o mundo cultural do antigo judaísmo; por isso, não explicaram detalhadamente a linguagem e os contextos. A tarefa do leitor moderno é interpretar os textos à luz da língua, da cultura e do mundo espiritual do antigo judaísmo, pois, às vezes, o "galo" não se refere a uma ave literal.
Portanto, o “canto do galo” mencionado por Jesus era uma expressão usada pelos romanos, referindo-se ao som da trombeta tocada pelo soldado romano para anunciar o final da terceira vigília da noite, ou seja, às 3 horas da manhã.
No primeiro século, não apenas em Jerusalém, mas em todas as cidades que o Império Romano considerava importantes, esse toque de trombeta era conhecido como “canto do galo”.
Graça e Paz!
Garberson Alencar.
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